“Rir para não chorar”


    Não é novidade nenhuma para nós seres humanos, o uso do humor como uma espécie de válvula de escape, com o intuito de “reduzir os danos”, ou até mesmo processar, de uma “distância mais segura” o nosso sofrimento.

    Desde a época dos antigos teatros, na Grécia, até os tempos atuais, manifestamos e produzimos, através de toda forma de expressões criativas, esta condensação de tragédia e comédia. Através deste pequeno texto, eu gostaria de trazer uma reflexão e uma análise sobre como usamos hoje a internet e as redes sociais -em especial pela via dos nossos tão queridos “memes”- para esta mesma finalidade.

    Nos últimos tempos, um fato que tenho observado bastante, durante meus momentos de descontração em uma rede social voltada popularmente para a produção e compartilhamento de conteúdo humorístico e satírico dos mais variados temas, o famoso “9GAG”, tenho percebido uma quantidade enorme, e que parece cada vez mais aumentar, de memes que evocam justamente aspectos do sofrimento psíquico humano.

    Aos poucos, isso foi me deixando bastante intrigado e pensativo, então resolvi compartilhar minha análise pessoal/profissional sobre este assunto. Em primeiro lugar, observe as imagens retiradas das postagens originais, ambas são em inglês, portanto colocarei logo em seguida a tradução referente a cada uma delas.

    Na imagem do primeiro meme, temos uma frase que diz o seguinte:

“Minha mente é como um navegador de internet: 30 abas abertas, 5 estão travadas e eu não tenho ideia de onde está vindo a música.”


Imagem referente ao primeiro meme citado, retirada do 9Gag.


    A segunda postagem, traz uma figura comparativa, na qual lendo-se na ordem de cima para baixo temos as seguintes frases:

Em cima - “Pessoas que gostam de ciência”

Em baixo - “Pessoas que fazem ciência”


Imagem referente ao segundo meme citado, também retirada do 9Gag.


    Um detalhe muito importante e que não pode ser deixado de lado, a respeito deste segundo meme, é que no título da postagem, o usuário que o compartilhou colocou a seguinte frase: “Eu sou um homem da ciência”. 

    Só para ficar claro, estes foram apenas 2 exemplos dos muitos que lá constam, e eu literalmente não precisei "rolar o feed” do aplicativo por mais do que 3 minutos para encontrá-los. Além disso, um elemento importantíssimo dessa questão, é que a sessão onde se encontravam ambos os posts era a de postagens que geraram mais engajamento, a sessão chamada “Hot”, sendo que cada um deles, possuía milhares de “curtidas” cada.

    Agora, você pode talvez estar se perguntando qual o ponto disso, ou o que teria de especial nestes memes, e até mesmo, por que estas postagens levantariam algum teor de preocupação aos olhos de um Psicólogo, certo?

    Então, vamos lá! Ao analisar o conteúdo do primeiro post, vemos que a piada gira em torno do fato de que ao pessoa se compara a um navegador de internet, tentando fazer tudo ao mesmo tempo, buscando dar conta de uma demanda enorme, possivelmente de trabalho ou de estudo, e que claramente não está conseguindo ter sucesso, sente-se “travado”, com a mente cheia e totalmente sobrecarregada. Este meme, pode apenas ser uma piada satírica não é mesmo? Ou então, poderia ser uma maneira mais branda de se falar sobre as dificuldades diárias enfrentadas na perspectiva da mente de uma pessoa que sofre com problemas de concentração, hiperatividade, déficit de atenção, ansiedade, entre tantos outros sintomas relacionados.

    Agora o segundo post: neste, o humor está em comparar as pessoas “de fora”, que apreciam ciência, ou são interessadas e entusiastas do assunto, com as pessoas que de fato trabalham com isso, pesquisadores, cientistas, etc. Aqui, o ponto é justamente visual, pois na figura de cima, que representa os aprecidadores, a intenção é retratar a normalidade e o entusiasmo, ou até mesmo o "status" de ser uma pessoa que aprecia ciência. Na imagem de baixo, a ideia é justamente uma tentativa de mostrar a “realidade” daqueles que de fato vivem neste meio científico, e seus pares, dando justamente ênfase para o aspecto do desgaste físico; mental; da saúde; e ao esgotamento pessoal que isto gera para indivíduo.

    Com base nesta análise inicial, o que eu vejo por trás destes memes, são pessoas que estão tentando aludir sobre seu sofrimento psíquico, indivíduos que “falam” de seus sintomas, se queixam de um mal que os machuca através da piada, do humor, da sátira. Eu vejo isto como uma tentativa de poder contar para alguém o que se sente, compartilhar o sofrimento alheio de cada dia com os seus semelhantes, justamente com o objetivo de que isso seja visto, seja acolhido de alguma forma, e que alguém mais possa se identificar e empatizar com esta dor; com essa angústia; com esse stress; com essa ansiedade, mesmo que isso aconteça de forma indireta ou velada.

    Penso eu, que do outro lado daquela tela, pode haver uma pessoa que precisa de alguém para conversar, que gostaria talvez de poder desabafar sobre um dia cansativo e estressante; poder falar sobre como está se está sentindo; poder ter alguém que lhe escute e acolha, e que possa saber orientá-lo e trabalhar a ressignificação desse sofrimento.  

    É provável, que ao ver o engajamento gerado pela publicação, este sujeito possa sentir algum tipo de alívio, e de algum modo, sentir-se acolhido e ouvido. Ao perceber que mais pessoas interagiram e comentaram na sua postagem, pode ser que isso mostre que ele não está sozinho, pois existem mais pessoas que também se sentem daquela forma, que também passam pelo que ele ou ela estão passando.

    Enfim, para concluir este texto, que já ficou enorme, não tenho como objetivo destruir o teor cômico dos nossos tão queridos memes espalhados por aí, nas mais variadas redes sociais. A ideia, é apenas levantar um ponto de análise e de reflexão, sobre como nós, seres humanos, falhos e neuróticos por natureza, utilizamos ao mesmo tempo de métodos criativos clássicos, e das nossas mais modernas e atuais ferramentas de ordem social como meios para externalizar, de alguma forma, aspectos do sofrimento psíquico. 

    Somos humanos, precisamos nos expressar, seja de forma direta ou indireta, seja pela tragédia ou pela comédia, ou pela junção de ambas, o inconsciente sempre dá um jeito de “colocar para fora” aquilo que precisa ser dito!


Elvis Farias – 07/2022

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